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Dia da Memória e Solidariedade Intersexo

  • Foto do escritor: Arquivo Sáfico
    Arquivo Sáfico
  • 8 de nov.
  • 4 min de leitura
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No dia 26 de Outubro celebrou-se o dia da Visibilidade Intersexo. No post desse dia, falei-vos da campanha #EuropeGoesPurple, uma iniciativa conjunta do Conselho da Europa e da OII Europe, que se iniciou a 26 de outubro e termina hoje, 8 de novembro, precisamente pela data que se assinala.


Neste dia 8 de novembro assinala-se o Dia da Solidariedade Intersexo (Intersex Day of Solidarity), conforme título usado na campanha, também conhecido como "Intersex Day of Remembrance", portanto "Dia da Memória Intersexo. Decidi juntar os dois nomes na imagem deste post e parto daí para dizer que hoje se celebra o "Dia da Memória e Solidariedade Intersexo".


A data foi escolhida em homenagem a Herculine Barbin, e a memória que devemos preservar sobre a sua vida, para que as violências contra si cometidas e demais pessoas intersexo não se voltem a repetir, e o apoio e solidariedade que devemos ter para com todas as pessoas intersexo que sofreram violências, mutilações genitais, tratamentos invasivos sem consentimento e preconceitos, é o que está na base da criação deste dia e nos títulos atribuídos.


A história de Herculine Barbin ficou conhecida através da publicação das suas memórias, por Michel Foucault.


Quando Herculine Barbin nasceu foi-lhe atribuído o sexo feminino, portanto, foi registada legalmente enquanto mulher, tendo vivido dentro dos papéis sociais e contextos que tal acarreta. Estudou num colégio de freiras e tornou-se professora. Nunca chegou a menstruar e durante a adolescência e vida adulta desenvolveu características físicas percecionadas como masculinas e tinha relações com outras mulheres, o que lhe gerou muitas dúvidas.


Em 1860, após uma confissão ao bispo de La Rochelle, foi submetida a um exame médico que concluiu que tinha órgãos sexuais internos e externos "atípicos". Em consequência, uma decisão judicial alterou o seu registo civil: passou a "viver socialmente como homem", adotando o nome de Abel Barbin. Mudou-se para Paris, onde viveu na pobreza e escreveu as suas memórias, supostamente como parte de uma terapia. Nestas memórias, Barbin utilizava pronomes femininos quando escrevia sobre a sua vida antes da redesignação sexual e pronomes masculinos após a declaração. Nas suas memórias, Barbin também desabafou que se considerava claramente punida e "deserdada", sujeita a uma "inquisição ridícula". Também é relatado que ela se via como uma "mulher excecional", mas ainda assim mulher.


Repito, foi uma decisão judicial que determinou que Herculine Barbin passaria a "ser homem". O quão violento é alguém atribuir-te um determinado sexo à nascença e a meio da tua vida impor-te outro? O quão violento é submeter as pessoas a exames e julgamentos para determinarem o seu sexo? O quão violento é impor que uma pessoa com características diversas, que não se encaixa na visão binária de sexo e género da sociedade, tenha obrigatoriamente, por decisão judicial, encaixar numa destas categorias restritivas? O quão violento é sentir que não te encaixas nas únicas opções que a sociedade te impõe? O quão violento é sentir que a tua identidade não depende de ti, mas sim de uma decisão dos médicos e dos juízes que te examinaram, como se fosses um mero objeto de estudo "atípico" e não uma pessoa, com dignidade e ciência de si própria? O quão violento é ter de reaprender a viver num outro papel social, por imposição judicial?


Infelizmente, violento o suficiente para que Herculine Barbin cometesse suicídio, como tantas outras pessoas. Para que se trave mais violências e as tragédias consequentes dessas violências, recordemos este dia, esta história, todas as pessoas que não queremos que passem pelo mesmo. Todas as crianças que nascem e não devem ser mutiladas à nascença, com base no que o médico da altura achar que tem de "corrigir". Todas as pessoas que quando se descobrem intersexo, que possam ter as suas dúvidas e certezas sem qualquer imposição.


Em Portugal, a Lei da Autodeterminação da identidade de género e expressão de género (Lei n.º 38/2018, de 07 de Agosto) prevê, no seu artigo 5.º que, " salvo em situações de comprovado risco para a sua saúde, os tratamentos e as intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza que impliquem modificações ao nível do corpo e das características sexuais da pessoa menor intersexo não devem ser realizados até ao momento em que se manifeste a sua identidade de género". Na prática é muito difícil garantir que este direito das pessoas intersexo seja efetivamente protegido.


A primeira recomendação jurídica internacional dedicada exclusivamente à proteção e promoção dos direitos das pessoas intersexo, na união europeia, foi adotada apenas este ano, a 7 de outubro. Apesar de ser uma mera recomendação, esperemos que que seja o início de um compromisso europeu com a proteção das pessoas intersexo, que venha a ser alargado a cada vez mais estados membros.


Relembremos sempre e lutemos contra todo o tipo de violência. Que o legado de Herculine nos inspire a lutar por um mundo em que pessoas intersexo sejam reconhecidas, respeitadas e livres de intervenções forçadas. Hoje, neste dia da Memória e Solidariedade Intersexo, e todos os dias.


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